Carta Aberta
QUAIS SÃO OS POSSÍVEIS IMPACTOS ECONÔMICOS, ESPORTIVOS E SOCIAIS DA PUNIÇÃO DA FIFA À CBF?
Viçosa, 02 de Janeiro de 2024
No dia 24/12/2023 a FIFA e a CONMEBOL assinaram juntas um ofício enviado à CBF informando sobre possíveis punições à entidade e, por consequência, ao Futebol Brasileiro em consonância com os artigos 14 e 19 do Estatuto da FIFA. Em linhas gerais, essa punição afetaria as seleções nacionais (feminina, masculina, olímpica, e de bases) e os clubes brasileiros que estariam suspensos das competições geridas pela CONMEBOL e pela FIFA. Porém essa punição pode ter impactos mais severos e chegar até às categorias de base e aos projetos de formação que ficariam ainda mais estrangulados pela falta de recurso financeiro (já atualmente escasso). Para além disso, sem a participação brasileira em competições internacionais (Sul-Americanas e Mundiais) a exposição de atletas e profissionais no mercado futebolístico teria forte queda, podendo ocorrer a perda de valores financeiros em todos os setores da cadeia produtiva.
Diante desse quadro e dos pedidos de informações feitos por profissionais da imprensa nacional/internacional, profissionais do futebol, treinadores, alunos e ex-alunos desde a publicação deste ofício da FIFA e da CONMEBOL, resolvemos escrever esta carta em conjunto, com o objetivo de trazer informações mercadológicas e científicas, que permitam uma reflexão sistêmica sobre os impactos desta punição. Desta forma cumprimos o papel acadêmico e de apoio educativo e social de nossas instituições (UFV e UFMG), que ao longo da última década, em especial, tem trabalhado em parceria, para dar a sua parcela de contribuição para o desenvolvimento do futebol brasileiro.
Durante esse período realizamos centenas de consultorias e palestras, publicamos mais de 300 artigos científicos e livros, desenvolvemos cursos de especialização, congressos e simpósios objetivando cumprir com a formação qualificada de profissionais para o futebol brasileiro e mundial[1].
Os dados que serão expostos nesse documento advêm de artigos científicos publicados recentemente sobre o Futebol Brasileiro e dados advindos de relatórios da CBF/Ernest Young[2] e do Convocados 2023[3], para além de informações disponibilizadas no site oficial da CBF e das Federações Estaduais. A intenção é promover uma compreensão do atual momento de desenvolvimento do futebol brasileiro e correlacionar com possíveis impactos econômicos, sociais e esportivos que poderiam ocorrer em toda a cadeia produtiva do futebol (dentro e fora das 4 linhas), caso as sanções propostas pelas FIFA e CONMEBOL sejam efetivadas.
De acordo com o último relatório divulgado pela CBF sobre o tema, o futebol tem um impacto de 0,72% no PIB do Brasil gerando aproximadamente 156 mil empregos nas mais de 250 competições realizadas. Nesse âmbito, o montante financeiro movimentado fica na casa de R$52,9 bilhões, representando R$3,34 bilhões em salários e encargos sociais. O Brasil também possui aproximadamente 360 mil atletas, 7.000 mil clubes e 798 estádios, onde mais de 19 mil partidas são realizadas anualmente (64% nas categorias de base; 31% no profissional, 5% no feminino) o que corresponde a 29 mil horas de futebol, média de 50 jogos por dia em todo o país. Para cada R$1,00 aportado diretamente no futebol (seja por publicidade, direitos de TV e bilheteria), há um impacto de R$ 3,43 reais na economia brasileira.
Em termos organizacionais, 722 clubes foram contabilizados no ano de 2022 (pós-pandemia) com atividades profissionais ativas no país. Esse número representa 25,75% de crescimento em relação ao número de 575 clubes ativos em 2020 (durante a pandemia), o que demonstra uma recuperação rápida e próxima da magnitude da perda durante a pandemia. Além desse dado quantitativo, afigura-se importante destacar que esse crescimento/ressurgimento do futebol brasileiro também significou expansão e maior participação de clubes das regiões Norte e Nordeste do Brasil (maior número de clubes disputando as principais competições do país desde 1902). Essa capilarização das atividades esportivas e econômicas do futebol em todo país vem ao encontro das conclusões dos estudos sobre o Mapa do Talento do Futebol Brasileiro (Feminino[4] e Masculino[5]), divulgadas pela FIFA[6], e que apresentaram necessidades de expansão de investimentos e maior oportunidades de práticas para crianças e jovens nas regiões nordeste e norte do país, uma vez que aproximadamente 70% dos jogadores/jogadoras de futebol das principais competições do país são oriundos das regiões sul e sudeste[7]. Nesse contexto, revela-se importante destacar que o governo brasileiro, via Programa Academia e Futebol e com o apoio das Universidades e Institutos Federais, também vem contribuindo para que o futebol possa ser disseminado em todo país e que mais crianças e jovens possam se beneficiar dos impactos esportivos, educacionais, culturais, sociais e econômicos vinculados ao esporte.
Ainda nesse cenário, torna-se relevante destacar o crescimento vertiginoso do futebol feminino pelo país. No final do ano de 2022, 198 clubes possuíam atividades em desenvolvimento o que representa um aumento de quase 100% em relação ao número de clubes em atividade (109) em 2020. O futebol feminino tem crescido a passos largos no Brasil em relação à audiência, transmissões esportivas, salários e contratação de profissionais. Atualmente temos o Campeonato Brasileiro com três séries (A, B e C) com 64 clubes, o que contrasta, por exemplo com números do ano de 2013, onde tínhamos somente a Série A com 20 clubes. Em 10 anos aumentamos em 68,34% o número de clubes que disputam competições nacionais e também observamos um crescimento orgânico de número de clubes distribuído por todo o país (Nordeste 32%, Sudeste 24%, Norte 21%, Centro-Oeste 13%, Sul 11%).
No que refere ao futebol masculino profissional, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, elegeu[8] o Campeonato Brasileiro como o campeonato mais competitivo e difícil do mundo (1181 pontos), superando a Premier League na Inglaterra (1086 pontos), o Campeonato Espanhol/La Liga na Espanha (967,5 pontos), a Bundesliga na Alemanha (921,5 pontos), a Série A na Itália (866 pontos) e a Ligue 1 na França (855 pontos). Esses dados corroboram o estudo publicado em 2023[9] que mostrou que o Campeonato Brasileiro está entre as cinco competições do mundo com o maior número de gols por partida (média de 2,36 gols por jogo). Hoje somos reconhecidos por termos um dos campeonatos mais disputados do mundo, com um equilíbrio técnico competitivo elevado, porém há espaço para melhorias no fair play financeiro entre os clubes, em especial, na série A e B.
Em função desse impacto técnico, os clubes brasileiros aumentaram suas receitas na ordem de 89% entre 2012-2021 movimentando cifras na ordem de R$7,5 bilhões, sendo que desse montante R$1,9 bilhões está associado a transferência de jogadores. Em termos econômicos o Campeonato Brasileiro é um dos mais valiosos do mundo (aproximadamente R$8,0 bilhões) perdendo apenas para o Big Five Europeu (Premier League, La Liga, Série A, Budesliga e Ligue 1). Além disso, dados publicados no último ano mostram que dos 15 clubes mais valiosos que disputam as competições promovidas pela CONMEBOL 13 são brasileiros[10].
Diante dos atuais cenários técnicos e financeiro, duas “ondas” têm impactado o ambiente futebolístico no Brasil recentemente que são as Sociedades Anônimas do Futebol (SAF’s) e as apostas esportivas. No que refere às SAF’s, a Lei 14.193/2021[11] trouxe mais segurança jurídica e ajudou a atrair mais investidores internacionais para o futebol nacional e, por consequência, tem contribuído para maior intercâmbio de profissionais e atletas entre os principais continentes e ligas do mundo. No que refere às apostas esportivas, a Lei 14.790[12] recém sancionada no dia 30/12/2023, permitirá regularizar e organizar sua atividade no país, uma vez que o Brasil é líder mundial no ranking com o maior número de acessos a sites de apostas esportivas (3,19 bilhões de vezes em 2022)[13].
No plano técnico e vinculado às seleções brasileiras, a efetivação da punição da FIFA e da CONMEBOL à CBF já traria impactos imediatos à participação do Brasil em torneios internacionais em curtíssimo prazo. Até a próxima sexta-feira, 05/01/2024, o Brasil precisa efetivar sua inscrição para
disputar o Torneio Pré-Olímpico que confere duas vagas para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. Se a inscrição do Brasil for negada, a Seleção Olímpica de Futebol poderá ficar de fora das Olímpiadas de Paris 2024. Além disso, haverão os jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo, os torneios das seleções de base e ainda a candidatura do Brasil para sediar o Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2027. Some-se a esses pontos, as participações dos clubes brasileiros na Copa Libertadores, Copa Sul-americana e Mundial de Clubes, Competições de Seleções de Base Sul-americanas e Mundiais. Portanto, a efetivação da punição da FIFA e da CONMEBOL à CBF causaria sérios problemas financeiros aos clubes, impactaria diretamente as competições internacionais, em especial no continente sul-americano, através da venda de direitos de transmissão e patrocínio das competições mencionadas acima.
Em suma, uma punição dessa magnitude afetaria significativamente toda a cadeia produtiva do futebol como redução de empregos, menor recolhimento de tributos municipais, estaduais e federais, dificuldades na manutenção de projetos/estruturas de formação de novos jogadores, provavelmente também haveria aumento nas demissões de atletas e profissionais tanto nas categorias de base quanto no futebol profissional masculino e feminino.
Acreditamos, diante desse quadro complexo de impactos e perdas na cadeia esportiva, que uma solução técnica e profissional deverá ocorrer nos próximos dias para assegurar o andamento das atividades econômicas e esportivas no Brasil vinculadas à participação das seleções e clubes brasileiros nas competições chanceladas pela FIFA e pela CONMEBOL.
| Israel Teoldo da Costa Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol NUPEF/UFV | Varley Teoldo da Costa Coordenador do UFMG Soccer Science Center |
[1] Mais informações sobre nosso trabalho podem ser vistas em nossos sites www.nucleofutebol.ufv.br e http://www.eeffto.ufmg.br/eeffto/ e em nossas redes sociais https://www.instagram.com/nupef?igsh=MW1lajFiNzNkOTNqdQ== e https://www.instagram.com/ufmgsoccersciencecenter?igsh=MTRqamlpYmJiYThjcQ==
[2] Relatório Impactos do futebol Brasileiro disponível em
https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf
[3] Relatório Convocados 2023 disponível em:
[4] TEOLDO, I.; MACHADO V. R.; CASANOVA, F.; CARDOSO, F. Talent map of female soccer: How does the birthplace and birthdate impact the participation of soccer players in Brazilian Serie A1 Championship?. Journal of Human Sport and Exercise, 2023.
[5] TEOLDO, Israel; CARDOSO, F.. Talent map: how demographic rate, human development index and birthdate can be decisive for the identification and development of soccer players in Brazil. Science and Medicine in Football, [S. l.], v. 00, n. 00, p. 1–8, 2021. DOI: 10.1080/24733938.2020.1868559. Disponível em: https://doi.org/10.1080/24733938.2020.1868559.
[6] https://www.fifatrainingcentre.com/en/community/research-brief/costa-brazil-talent-map.php
[7] Mais detalhes sobre o tema podem ser obtidos em: Caderno Metodológico para a Formação de Jogadores Mais Inteligentes e Criativos para o Jogo: Case UFV Soccer Academy.
[8] Para os anos de 2022 e 2023. https://iffhs.com/posts/2483
[9] PINHEIRO, G. S. ; CAMPOS, D. H. S. ; COSTA, V. T. . Temporal goal scoring characteristics in elite Brazilian football: a longitudinal study. EDUCACIÓN FÍSICA Y CIENCIA, v. 25, p. e265, 2023
[10] Ligas com os clubes mais valiosos disponível em: https://www.plurisports.com.br/wp-content/uploads/2023/05/Valuation-Pt1-Ligas-Abr23.pdf
[11] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14193.htm
[12] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14790.htm
[13]https://www.poder360.com.br/esportes/brasil-lidera-acessos-a-sites-de-apostas-esportivas-em-2022/#:~:text=O%20Brasil%20lidera%20a%20lista,de%20tecnologia%20da%20informa%C3%A7%C3%A3o%20SimilarWeb.